terça-feira, 2 de outubro de 2012


O dia se esgueira, espichado para trás. E o mundo se demorando em voltear o Sol. No varal, roupas voando longe. A tarde, deitada na rede, se balança inerte. Tudo dorme na poeira das obras que teimam em recomeçar. As folhas entram em casa, não param de cair. Ainda que o jornal diga:  “é primavera”. E o vento anuncie, em desajuste, que acabou setembro.


No meu coração impontual segue esse alvoroço silencioso de quem ainda espera o ano começar.


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Resíduo

"O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções." Martha Medeiros

Depois de um silêncio breve, retorno à arruinada casa das palavras. Pois ficar calada, fazer jus ao nome que escolhi para mim, não vai me redimir da responsabilidade sobre o que eu não digo e sobre os rastros que eu deixo no mundo, ainda que sem querer.

Minha angústia sobre as coisas (não) ditas não é nada original.
Wittgenstein foi bem mais feliz nas suas reflexões sobre a incomunicabilidade: "Aquilo que não pode ser dito, deve calar- se". E ponto. Mas mesmo ele, que conhecia tão bem as impossibilidades da linguagem, admirava os que se aventuravam a escrever, aqueles que tinham coragem de dar o que ele chamava de "salto". Estou em queda livre.

Alguns acontecimentos (uns bem recentes, outros nem tanto) têm me feito pensar sobre esses
pedaços que vamos deixando no mundo e como eles podem afetar outras pessoas. Positiva ou negativamente. Tenho pensado, por exemplo, como um dos meus melhores amigos é alguém que eu jamais vi, que mora há milhas daqui, com quem só falo uma vez há cada seis meses e mesmo assim se faz presente em decisões importantes que tomo na vida. Quando ele está ausente (que é quase sempre), me alimento dos rastros que ele vai deixando pelo mundo virtual. Pequenos sinais de amor pelas pessoas, pelas cidades e por mim.
Um dia ele esteve aqui por duas horas, em uma conexão. Ele me telefonou dizendo que estava aqui. Ouvir aquela voz foi um susto...Ela não fazia parte da minha pequena coleção das delicadezas dele. Não fui ao aeroporto.


Eis o meu motivo de não acreditar que o tempo e a distância podem simplesmente apagar as coisas: Corpo ausente não é ausência. Sempre fica um pouco. Sempre fica algo por resolver, a possibilidade, o "e se". Sempre fica o que a gente abandona distraidamente por aí. E quem sabe isso não possa vir a ser importante para alguém?


São só pensamentos soltos que deixo, como migalhas de pão para encontrar o caminho de volta.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Na outra margem

Bouganvilles são pequenos papeis coloridos que Deus dobrou em flor.Meu coração hoje está em paz e eu volto a escrever palavrinhas poucas sobre voltar para casa, sobre olhar pra fora. Tanto tempo olhando pra dentro, tanto tempo com medo de sentir o que essa cidade tem a me dizer agora que ando sozinha por aí que esqueci de notar que as mudas de Nin no meu caminho que estavam na altura dosmeus joelhos já estão maiores do que eu.

maiores do que eu.
todos os meus sentimentos são.

meninos atravessam a rua para esbarrar, sem querer, nas meninas que saem da escolinha das freiras. Aqui do outro lado o mundo ainda é o mesmo.

domingo, 23 de agosto de 2009

Travessia

Para Débora Medeiros, que tem se empenhado a mostrar que é possível

Descobrir novos caminhos para desviar das boas lembranças. Descobrir novas rotas, novas formas de chegar em casa. É, o melhor nome para o hoje é mesmo travessia. Passar por, chegar à. Onde? Não sei. Mas eu preciso ir. Preciso buscar o que é só meu, buscar a vida possível sem o impossível. Encontrar novos lugares e histórias sem perder o sou hoje, por ser isso o que eu sou tão outro, tão você. Impossível.
Se as ruas estão cheias do impossível, eu vou buscar atalhos. Se os poucos jardins dessa cidade estão cheios do impossível, plantarei os meus em outra parte.

Isso é sobre pessoas. Sobre estar na cidade e precisar esquecer. É sobre reinventar nossas cartografia afetiva.


Ao menos sei que se vou andar por outros caminhos, não vou andar completamente só.


A tecla sap para as coisas que apertam meu peito hoje:

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

"Feliz Aniversário, envelheço na cidade"

Vinte anos de mim são vinte anos de pés que pisam este chão e olhos que adoram ver as nuvens indo para "quem dera". Vinte anos de mim são vinte anos da possibilidade de encontrar com você dentro de um ônibus ou na fila do vestibular.

Vinte anos de mim são tudo pra mim. E quase nada.

Decidi postar aqui um conto antigo meu, que fala sobre decisões necessárias.


3:33

O silêncio estendia suas garras, arranhava a pouca mobília, deformava-lhe, dava-lhe formas diversas. Poderiam ouvir os sons, o estalar da madeira da mesa, o tilintar das louças, eternamente estendidas no escorredor de pratos, já que o novo apartamento ainda não possuía armários. Poderiam ouvir os passos cansados assombrando o corredor, o arrastar de uma cadeira vazia, o barulho das chaves girando em eternas voltas na fechadura da porta que não se abria. Poderiam ouvir o zumbido de uma motocicleta rasgar a imobilidade da madrugada. Um galo adiantado profetizando uma manhã que nunca chegava. Poderiam. Mas não estavam lá. Nenhum deles.

Chegara cansado do plantão. Aquela semana pareceu um século. Contudo, a dor nas pernas e as olheiras não conseguiam esconder a ansiedade que se apropriara dele desde que tomara a decisão. Precisaria de coragem. Talvez precisasse de vinho mais que de coragem. Não ligaria a TV, não ouviria música, não telefonaria para casa. Era preciso estar concentrado. Era preciso evitar qualquer possibilidade de distração, qualquer possibilidade de desistência.

Sábado, 28 de junho. O ponteiro das horas não se movia do três. “Feliz aniversário”, pensou. Abriu as portas da varanda. As luzes do Recife pareciam milhares velinhas perfurando um bolo escuro. “Feliz aniversário”, gritou ele. A resposta não demoraria a chegar.
Caminhou até o quarto com as pernas trêmulas. Encostou a cama na parede, deixando livre o centro. Desligou o celular, tirou o fone do gancho. Deu duas voltas seguras na fechadura da porta do quarto e escondeu a chave num canto impossível de encontrá-la no escuro. Fechou a janela e apagou a luz.
















imagem: Yuri Leonardo

sexta-feira, 24 de julho de 2009

"Uma cidade assim é capaz de destruir um homem como eu..."

Uma música poderia substituir quase tudo o que eu vou falar a seguir. Inverno, da Adriana Calcanhotto, conta pra mim a história de alguém que se perdeu de si mesmo. De alguém, também, que se apaixonou no meio da sua própria confusão:

Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei

Esse post é um daqueles engavetados, que precisam ser processados antes de se tornarem públicos. Mas, de alguma forma, hoje acredito que compreendo melhor o que foi Belém pra mim.

O que te vem a cabeça quando você lembra de Belém? Não, não aquela além-mar, da Galiléia.
Falo da pequena Belém, encravada no meio da floresta, banhada por rios e muitas vezes confundida com Manaus.

Alguém me disse, certa vez, que Belém e Manaus eram como duas primas. Um dia, quando ainda moças, Belém perdeu algo (não sabia exatamente o quê) e tornou-se extremamente melancólica. Assim, Manaus era sempre lembrada como a moça feliz enquanto Belém guardava uma tristeza em todas as suas tardes.
Achava exagero. Não acreditava que uma cidade,afastada de sentidos que lhes eram atribuídos pelos que nela viviam, poderia carregar consigo uma carga tão densa de melancolia.Engano meu.

Foi numa tarde branca, dessas molhadas de chuva das três, que descobri a Belém coberta.
Os homens parecem cobertos por vapor e as ruas têm um sentido só, na sua grande maioria. Para fazer um retorno tem-se que contornar quase a cidade toda. Exageros a parte, isso tem lá um pouco de verdade.

Belém foi a primeira cidade desconhecida que tive que descobrir meio só. Pegar ônibus, andar por aí, falar com as pessoas, pedir informações. Estar só num lugar que não é seu. Isso de alguma forma teve consequencias estranhas para mim, para as minhas ideias: desde que voltei de Belém não reconheço mais a minha vida, mesmo que ela não tenha mudado tanto. Ao menos por fora.

Essa sensação é extremamente incômoda, pois fico sempre esperando que a qualquer momento eu acorde de uma espécie de sonho maluco e me sinta finalmente em casa. Me reconheça no meu próprio corpo, no meu quarto, entre meus amigos. Mas as noites se sucedem como uma sequência de cenas absurdas, por mais que sejam as mesmas as muitos anos.
Talvez eu tenha perdido a mim mesma em uma das praças de Belém. As àrvores das praças são muito, muito grandes, e às vezes eu tinha medo que a floresta inteira selevantasse sob meus pés.
Mas a verdade é que Belém tem muito mais a ver com pessoas e sentimento do que com praças e árvores. Se eu tiver me perdido nas pessoas e nos sentimentos é possível me resgatar?

Eu me apaixonei em Belém. Eu me magoei em Belém. Eu vi imagens dissolvendo-se na minha frente. Eu me abriguei sob uma capa de chuva azul e deixei beijos no bolso dela. Eu esperei em Belém. Eu nunca mais voltei de lá.
Numa certa noite, com o coração inquieto, eu peguei um taxi e fui atender aos pedidos de meu peito. Eu ouvi meu coração como não ouvia há muito. Desde então eu só consigo ouvir isso, meu coração, procurando por mim. Procurando respostas. Procurando o caminho de volta pra casa.

É preciso ter cuidado com as cidade onde perdemos a noção da hora. É preciso ter cuidado com cidades onde perdemos a paz.















"Não fosse por você eu não notava essa cidade".

segunda-feira, 20 de julho de 2009

true love will find you in the end

Se tiver música eu aceito pegar o ônibus que desce mais longe de casa. Além de eu andar um pouco menos para apanhá-lo, ele ainda vai por dentro do bairro, evitando avenidas e revelando as casinhas bonitas do Benfica. Acho que foi fazendo esse percurso que acabei me apaixonando pelo bairro, e me imaginando morando nele, no futuro. E ainda me imagino.

Quando desço do ônibus, vejo os ipês rosa florindo. Estão começando a ficar muito bonitos e enfeitando o asfalto. Notar que as árvores estão florindo é um bom sinal: estamos olhando pra cima,erguendo a cabeça, abandonando o péssimo hábito de 'botânicos do asfalto'. Tem gente que só repara em capim no meio-fio.

Mas tem dias que não quero música. Tem dias que prefiro que o mp3 esteja descarregado, quero ouvir só o silêncio e sumir entre as pessoas. Tem dias que música machuca e que o coração dá sobressaltos cada vez que vê um rapaz de vermelho ao longe. Tem dias que a cidade é traiçoeira, e que nem ipês consolam.

Eu luto contra esse dias, eu tento reagir as tentativas de auto-sabotagem. Se faltar música, eu vou cantando e todas as que sei de cór e que acalmam o coração . Hoje foi o Daniel Jonhston que me acompanhou:

"True love will find you in the end
You're gonna find out that love's your friend
Don't be sad, I know you will.
Don't give up until
True love will find you in the end. "

E eu acredito nele, viu? Abro minha sombrinha verde, para que a esperança me proteja do sol ou da chuva, e vou cantando com toda fé que se permite. Pois tão certo quanto os ipês e suas flores, o amor vai nos encontrar no final, que é sempre um começo.

Isso é uma promessa.



















imagem: retrato de um desconhecido, em uma das casinhas encantadoras.
E pra quem quiser ouvir a música: http://www.youtube.com/watch?v=5ucN4DActxA

domingo, 5 de julho de 2009

Oração por um futuro com gosto de sol.















"Alguém que vi de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou os sonhos que eu tinha
E esqueci sobre a mesa
Como uma pêra se esquece
Dormindo numa fruteira
Como adormece o rio
Sonhando na carne da pêra
O sol na sombra se esquece
Dormindo numa cadeira."¹



Que eu nunca precise dizer estas frases acima.
Que eu não tenha que ir exilada, deportada de mim mesma.
Que se eu decidir que preciso ir, eu decida por vontade e não
por falta de escolha.
Que meus sonhos não pareçam tão estúpidos.

Amem.




1. clube da esquina - um gosto de sol.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Passaporte

"Quando você não pode olhar dentro da alma de alguém, tente ir embora e depois voltar"

Boris Pasternak

Eu não sei o quanto o escritor russo entendia do "partir". Talvez entendesse muito do "querer ficar". Pasternak foi perseguido pelas autoridades soviéticas nos anos 30; acusado de subjetivismo. Mesmo assim, conseguiu escapar de Gulag. Qual seria o meu destino da Rússia da década de 30, por Deus? Provavelmente passaria uma bela temporada na prisão com os companheiros que desagradaram Stalin.
O Fato é que mesmo que nós, Eu e Boris, não tenhamos nos encontrado nem no tempo nem no espaço (e muito menos na prisão), eu devo algumas coisas a ele. Começando pelo meu nome. Não o meu nome diretamente, mas o nome que foi da minha irmã, Lara, e que deu origem ao meu depois da sua morte.
Lara é a personagem do romance Doctor Zhivago, de Pasternak. Depois de transformado em filme na década de 60 virou febre entre as mães e deu a luz uma geração de muitas garotas homônimas da mocinha russa. Que era Larissa e Lara, como eu. Conclusão: sou quase a "Maria" da minha geração.
Depois do batismo, só fui encontrar com Bóris bem mais tarde, assistindo "Jornada da Alma". Em determinado momento do filme (sobre o qual não vou falar agora por render outro post) uma personagem pega um trem e tudo que ela deixa a seu “potencial” amado é um bilhete: "Quando você não pode olhar dentro da alma de alguém, tente ir embora e depois voltar".

Pois é. A partida pode ser também uma "escolha contragosto", ainda que uma escolha. Às vezes é assim por ser a única. Ás vezes pode ser só uma ilusão, bem verdade. De que adianta ir embora se o coração fica? E do que adianta voltar/ficar se seu coração ficou/se foi?
O outro pode ser um passaporte. O outro pode ser o motivo da travessia. Talvez por estar do outro lado da fronteira. Talvez por estar do mesmo lado e não querermos mais vê-lo. E quem sabe, porque não, por ser nós mesmos este outro. O que será que Moscou, por exemplo, teria a dizer sobre mim? O que será que os outros de Moscou teriam a me contar? E eu a eles? O que será que outro lugar teria a me dizer do outro que deixei aqui por não conseguir compreender completamente?

Talvez ir embora nunca vá te ajudar a olhar dentro da alma de alguém. Mas corremos um sério risco de nos depararmos com a nossa própria alma.

Vale arriscar?

Bóris Pasternak desenhou minha 5X7. Um outro carimbou meu passaporte com a vontade de ver o mundo e conversar com as pessoas. E eu o carimbo com a vontade de sonhar.
Com o passaporte em mãos estou pronta para ir. Ou voltar.

A questão continua sendo a mesma: Onde?


Ps¹: O passaporte acima pertence a Mathilde Lajta. A imagem foi retirada do filme Um Passaporte Húngaro da diretora brasileira Sandra Kogut (dirigiu também Mutum, um dos meus filmes prediletos). Como se constrói uma identidade? Os documentos, a memória, a família, um sobrenome, uma história, uma herança. O que é que significa hoje ser húngaro? E brasileiro? O que é uma nacionalidade? Ao contrário do que se pode imaginar, o resultado da procura da diretora torna-se secundário diante da riqueza do caminho percorrido por ela. Através do pedido de um passaporte, o documentário narra a história de uma família, conduzida pela relação entre a diretora e sua avó materna guiando o espectador em uma viagem de retorno às origens húngaras. Uma família que como muitas, foi dividida entre dois mundos e dois exílios: aquele dos que se foram e aquele dos que ficaram. Quem sabe no futuro eu não falo mais sobre esse documentário por aqui?


Ps²: Para os curiosos: Você sabia que o passaporte brasileiro é mais roubado e o mais caro no mercado negro? Quem acertar o motivo ganha um doce. :}

domingo, 12 de abril de 2009

Tangos e Navios


Eu tenho medo de escrever por achar que não se deve dizer agora o que poderá ser uma grande mentira amanhã. Se for assim, nunca direi nada.E como acredito que a minha verdade agora pode vir a ser a verdade de alguém em outro tempo e espaço (ou até mesmo de outra forma), digo. O Silêncio fecha portas ao mesmo tempo que abre janelas.

Tenho pensado sobre caminhos, escolhas, rumos. Tenho pensado no agora e no amanhã. Acreditar ter uma vida dupla, acreditar que "há sempre algo de ausente que me atormenta", acaba me arrastando para longe daqui sem que eu escolha.

De um lado o caminho que se espera que eu siga.
Se espera? Quem espera?
Estudar, viajar, trabalhar, casar, fazer algo pelo mundo e pelas pessoas. Escrever um livro, plantar uma árvore, ter um filho. Morrer?
Nunca completamente.
Deixar pedaços espalhados por aí: em folhas de papel, fotografias, pegadas em algum cimento porventura fresco. Deixar pedaços nos outros. Passar pelo mundo não é simplesmente passar.

Uma das vidas é espera: Espera do amanhã que nunca chega, espera dos desafios a serem enfrentados,espera de alguém para caminhar junto, espera da sensação do dever finalmente cumprido. Espera, principalmente, de que dê certo. O Happy End.





A outra vida é um vendaval que se soltou, e canta:

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!¹

Não, eu não sei onde está a outra. Provavelmente em qualquer canto não recomendável. Qualquer lugar que não esperariam de mim. Jogou tudo pro alto e atravessou a fronteira ilegalmente: A fronteira do esperado. Eu acredito que há em muitos de nós um desejo de ser forasteiro, nômade. Ir sem ficar, passar sem permanecer, ter um nome diferente em cada cidade. Esse desejo é que eu chamo de "a outra". É ela que realiza o que que alguns chamariam de delírio. Não escreverá livros, não terá filhos, não deixará rastros, não seguirá nenhuma lógica. Será sempre o repúdio ao que se espera. Realizadora de devaneios. Foi-se cedo.


Preciso: pre.ci.so
adj (lat praecisu) 1 Necessário. 2 Certo, determinado, justo, exato, fixo. 3 Certeiro (tiro). 4 Claro, distinto, formal. 5 Conciso, lacônico, resumido. Antôn (acepção 4): impreciso, vago. sm Aquilo que é necessário, indispensável.

Uma de mim escolheu navegar, acreditando ser preciso(2,3,4) Traça rotas, tem planos, faz projetos, sabe onde quer ir e ajusta as velas.
Outra escolheu viver. E só. Não tem paradeiro. Não tem nome. Não tem casa. Não tem ninguém e nem terá. Escolheu viver por ser preciso(1) . Espero que algum dia elas se encontrem e dancem um Tango Argentino em lugar nenhum.


De forma mais clara: Espero conseguir conciliar, algum dia, o devaneio e a realidade. O viver e o sobreviver. A natureza selvagem e a "civilizada".

A questão é: Onde?








Navegar é preciso










Viver não é preciso.



















1. Cantigo negro, José Régio
Imagens: Catherine Campbell

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Clave de Sol

Então Recomeço. Que nem o Elefante, do Carlos.
É que viver no mundo e trancar-se dentro de si é como viver em um enclave, cercado por terras estrangeiras. Ninguém ao redor fala sua língua e você não entende absolutamente nada que os outros falam. Assim, como um estrangeiro em minha própria terra, decidi aprender a linguagem das ruas, dos muros, das pessoas. Decidi aprender a ler os mapas afetivos de minha cidade e os que marcam lugares bem longe dela.

Bem, esse espaço será meu caderno de viagens por meu próprio tempo e espaço.