domingo, 12 de abril de 2009

Tangos e Navios


Eu tenho medo de escrever por achar que não se deve dizer agora o que poderá ser uma grande mentira amanhã. Se for assim, nunca direi nada.E como acredito que a minha verdade agora pode vir a ser a verdade de alguém em outro tempo e espaço (ou até mesmo de outra forma), digo. O Silêncio fecha portas ao mesmo tempo que abre janelas.

Tenho pensado sobre caminhos, escolhas, rumos. Tenho pensado no agora e no amanhã. Acreditar ter uma vida dupla, acreditar que "há sempre algo de ausente que me atormenta", acaba me arrastando para longe daqui sem que eu escolha.

De um lado o caminho que se espera que eu siga.
Se espera? Quem espera?
Estudar, viajar, trabalhar, casar, fazer algo pelo mundo e pelas pessoas. Escrever um livro, plantar uma árvore, ter um filho. Morrer?
Nunca completamente.
Deixar pedaços espalhados por aí: em folhas de papel, fotografias, pegadas em algum cimento porventura fresco. Deixar pedaços nos outros. Passar pelo mundo não é simplesmente passar.

Uma das vidas é espera: Espera do amanhã que nunca chega, espera dos desafios a serem enfrentados,espera de alguém para caminhar junto, espera da sensação do dever finalmente cumprido. Espera, principalmente, de que dê certo. O Happy End.





A outra vida é um vendaval que se soltou, e canta:

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!¹

Não, eu não sei onde está a outra. Provavelmente em qualquer canto não recomendável. Qualquer lugar que não esperariam de mim. Jogou tudo pro alto e atravessou a fronteira ilegalmente: A fronteira do esperado. Eu acredito que há em muitos de nós um desejo de ser forasteiro, nômade. Ir sem ficar, passar sem permanecer, ter um nome diferente em cada cidade. Esse desejo é que eu chamo de "a outra". É ela que realiza o que que alguns chamariam de delírio. Não escreverá livros, não terá filhos, não deixará rastros, não seguirá nenhuma lógica. Será sempre o repúdio ao que se espera. Realizadora de devaneios. Foi-se cedo.


Preciso: pre.ci.so
adj (lat praecisu) 1 Necessário. 2 Certo, determinado, justo, exato, fixo. 3 Certeiro (tiro). 4 Claro, distinto, formal. 5 Conciso, lacônico, resumido. Antôn (acepção 4): impreciso, vago. sm Aquilo que é necessário, indispensável.

Uma de mim escolheu navegar, acreditando ser preciso(2,3,4) Traça rotas, tem planos, faz projetos, sabe onde quer ir e ajusta as velas.
Outra escolheu viver. E só. Não tem paradeiro. Não tem nome. Não tem casa. Não tem ninguém e nem terá. Escolheu viver por ser preciso(1) . Espero que algum dia elas se encontrem e dancem um Tango Argentino em lugar nenhum.


De forma mais clara: Espero conseguir conciliar, algum dia, o devaneio e a realidade. O viver e o sobreviver. A natureza selvagem e a "civilizada".

A questão é: Onde?








Navegar é preciso










Viver não é preciso.



















1. Cantigo negro, José Régio
Imagens: Catherine Campbell