domingo, 23 de agosto de 2009

Travessia

Para Débora Medeiros, que tem se empenhado a mostrar que é possível

Descobrir novos caminhos para desviar das boas lembranças. Descobrir novas rotas, novas formas de chegar em casa. É, o melhor nome para o hoje é mesmo travessia. Passar por, chegar à. Onde? Não sei. Mas eu preciso ir. Preciso buscar o que é só meu, buscar a vida possível sem o impossível. Encontrar novos lugares e histórias sem perder o sou hoje, por ser isso o que eu sou tão outro, tão você. Impossível.
Se as ruas estão cheias do impossível, eu vou buscar atalhos. Se os poucos jardins dessa cidade estão cheios do impossível, plantarei os meus em outra parte.

Isso é sobre pessoas. Sobre estar na cidade e precisar esquecer. É sobre reinventar nossas cartografia afetiva.


Ao menos sei que se vou andar por outros caminhos, não vou andar completamente só.


A tecla sap para as coisas que apertam meu peito hoje:

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

"Feliz Aniversário, envelheço na cidade"

Vinte anos de mim são vinte anos de pés que pisam este chão e olhos que adoram ver as nuvens indo para "quem dera". Vinte anos de mim são vinte anos da possibilidade de encontrar com você dentro de um ônibus ou na fila do vestibular.

Vinte anos de mim são tudo pra mim. E quase nada.

Decidi postar aqui um conto antigo meu, que fala sobre decisões necessárias.


3:33

O silêncio estendia suas garras, arranhava a pouca mobília, deformava-lhe, dava-lhe formas diversas. Poderiam ouvir os sons, o estalar da madeira da mesa, o tilintar das louças, eternamente estendidas no escorredor de pratos, já que o novo apartamento ainda não possuía armários. Poderiam ouvir os passos cansados assombrando o corredor, o arrastar de uma cadeira vazia, o barulho das chaves girando em eternas voltas na fechadura da porta que não se abria. Poderiam ouvir o zumbido de uma motocicleta rasgar a imobilidade da madrugada. Um galo adiantado profetizando uma manhã que nunca chegava. Poderiam. Mas não estavam lá. Nenhum deles.

Chegara cansado do plantão. Aquela semana pareceu um século. Contudo, a dor nas pernas e as olheiras não conseguiam esconder a ansiedade que se apropriara dele desde que tomara a decisão. Precisaria de coragem. Talvez precisasse de vinho mais que de coragem. Não ligaria a TV, não ouviria música, não telefonaria para casa. Era preciso estar concentrado. Era preciso evitar qualquer possibilidade de distração, qualquer possibilidade de desistência.

Sábado, 28 de junho. O ponteiro das horas não se movia do três. “Feliz aniversário”, pensou. Abriu as portas da varanda. As luzes do Recife pareciam milhares velinhas perfurando um bolo escuro. “Feliz aniversário”, gritou ele. A resposta não demoraria a chegar.
Caminhou até o quarto com as pernas trêmulas. Encostou a cama na parede, deixando livre o centro. Desligou o celular, tirou o fone do gancho. Deu duas voltas seguras na fechadura da porta do quarto e escondeu a chave num canto impossível de encontrá-la no escuro. Fechou a janela e apagou a luz.
















imagem: Yuri Leonardo