sexta-feira, 24 de julho de 2009

"Uma cidade assim é capaz de destruir um homem como eu..."

Uma música poderia substituir quase tudo o que eu vou falar a seguir. Inverno, da Adriana Calcanhotto, conta pra mim a história de alguém que se perdeu de si mesmo. De alguém, também, que se apaixonou no meio da sua própria confusão:

Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei

Esse post é um daqueles engavetados, que precisam ser processados antes de se tornarem públicos. Mas, de alguma forma, hoje acredito que compreendo melhor o que foi Belém pra mim.

O que te vem a cabeça quando você lembra de Belém? Não, não aquela além-mar, da Galiléia.
Falo da pequena Belém, encravada no meio da floresta, banhada por rios e muitas vezes confundida com Manaus.

Alguém me disse, certa vez, que Belém e Manaus eram como duas primas. Um dia, quando ainda moças, Belém perdeu algo (não sabia exatamente o quê) e tornou-se extremamente melancólica. Assim, Manaus era sempre lembrada como a moça feliz enquanto Belém guardava uma tristeza em todas as suas tardes.
Achava exagero. Não acreditava que uma cidade,afastada de sentidos que lhes eram atribuídos pelos que nela viviam, poderia carregar consigo uma carga tão densa de melancolia.Engano meu.

Foi numa tarde branca, dessas molhadas de chuva das três, que descobri a Belém coberta.
Os homens parecem cobertos por vapor e as ruas têm um sentido só, na sua grande maioria. Para fazer um retorno tem-se que contornar quase a cidade toda. Exageros a parte, isso tem lá um pouco de verdade.

Belém foi a primeira cidade desconhecida que tive que descobrir meio só. Pegar ônibus, andar por aí, falar com as pessoas, pedir informações. Estar só num lugar que não é seu. Isso de alguma forma teve consequencias estranhas para mim, para as minhas ideias: desde que voltei de Belém não reconheço mais a minha vida, mesmo que ela não tenha mudado tanto. Ao menos por fora.

Essa sensação é extremamente incômoda, pois fico sempre esperando que a qualquer momento eu acorde de uma espécie de sonho maluco e me sinta finalmente em casa. Me reconheça no meu próprio corpo, no meu quarto, entre meus amigos. Mas as noites se sucedem como uma sequência de cenas absurdas, por mais que sejam as mesmas as muitos anos.
Talvez eu tenha perdido a mim mesma em uma das praças de Belém. As àrvores das praças são muito, muito grandes, e às vezes eu tinha medo que a floresta inteira selevantasse sob meus pés.
Mas a verdade é que Belém tem muito mais a ver com pessoas e sentimento do que com praças e árvores. Se eu tiver me perdido nas pessoas e nos sentimentos é possível me resgatar?

Eu me apaixonei em Belém. Eu me magoei em Belém. Eu vi imagens dissolvendo-se na minha frente. Eu me abriguei sob uma capa de chuva azul e deixei beijos no bolso dela. Eu esperei em Belém. Eu nunca mais voltei de lá.
Numa certa noite, com o coração inquieto, eu peguei um taxi e fui atender aos pedidos de meu peito. Eu ouvi meu coração como não ouvia há muito. Desde então eu só consigo ouvir isso, meu coração, procurando por mim. Procurando respostas. Procurando o caminho de volta pra casa.

É preciso ter cuidado com as cidade onde perdemos a noção da hora. É preciso ter cuidado com cidades onde perdemos a paz.















"Não fosse por você eu não notava essa cidade".

6 comentários:

  1. Nossa. Muito bom o texto. Tem suas partes melancólicas e de vez em quando as suas partes felizes. É o tipo de texto que dá ventade de saber como ele vai terminar! É difícil eu ver um texto tão bom. Acho que vou voltar sempre! Beijos!

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  2. Lindo, como todos os seus escritos nesse blog, que vou lendo clandestinamente você sabe de onde ;)

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  3. Andei vendo que voce aprecia Jose Regio.
    Sabia que ele nasceu e viveu em Vila do Conde?
    La tudo leva o nome dele. Tomara que o espirito tambem.
    Da uma olhada na poesia (uma das) que ele fez para a cidade, bem bonita e simples: http://pracadapoesia.blogspot.com/2009/06/romance-de-vila-do-conde.html

    Um beijo pra ti*

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  4. Parece a sensação que um indígena teria ao deixar sua tribo isolada para uma cidade, que muito bem poderia ser Belém. Qual é a sensação de encontrar o novo? Qual é a sensação de voltar e encontrar o que conhecia de antes, mas agora com outros parâmetros? Não é isso o que chamam alteridade? E quando o outro passa a ser você mesmo?
    Mas, já diz a Antropologia há algumas décadas, isso não é aculturação - é mudança. Nesse processo, há identidades que se afirmam, costumes que são ressignificados, e práticas reafirmadas, inventadas, esquecidas. É cultura viva.

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  5. Adorei o texto..e a comparacão das cidades belem/manaus..Belem realmente chora as tardes mas tem uma certa capacidade de alegrar as tardes tambem..pra mim teve...
    mas como diz: É preciso ter cuidado com as cidade onde perdemos a noção da hora. É preciso ter cuidado com cidades onde perdemos a paz.

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