Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei
Esse post é um daqueles engavetados, que precisam ser processados antes de se tornarem públicos. Mas, de alguma forma, hoje acredito que compreendo melhor o que foi Belém pra mim.
O que te vem a cabeça quando você lembra de Belém? Não, não aquela além-mar, da Galiléia.Falo da pequena Belém, encravada no meio da floresta, banhada por rios e muitas vezes confundida com Manaus.
Alguém me disse, certa vez, que Belém e Manaus eram como duas primas. Um dia, quando ainda moças, Belém perdeu algo (não sabia exatamente o quê) e tornou-se extremamente melancólica. Assim, Manaus era sempre lembrada como a moça feliz enquanto Belém guardava uma tristeza em todas as suas tardes.
Achava exagero. Não acreditava que uma cidade,afastada de sentidos que lhes eram atribuídos pelos que nela viviam, poderia carregar consigo uma carga tão densa de melancolia.Engano meu.
Foi numa tarde branca, dessas molhadas de chuva das três, que descobri a Belém coberta.
Os homens parecem cobertos por vapor e as ruas têm um sentido só, na sua grande maioria. Para fazer um retorno tem-se que contornar quase a cidade toda. Exageros a parte, isso tem lá um pouco de verdade.
Belém foi a primeira cidade desconhecida que tive que descobrir meio só. Pegar ônibus, andar por aí, falar com as pessoas, pedir informações. Estar só num lugar que não é seu. Isso de alguma forma teve consequencias estranhas para mim, para as minhas ideias: desde que voltei de Belém não reconheço mais a minha vida, mesmo que ela não tenha mudado tanto. Ao menos por fora.
Essa sensação é extremamente incômoda, pois fico sempre esperando que a qualquer momento eu acorde de uma espécie de sonho maluco e me sinta finalmente em casa. Me reconheça no meu próprio corpo, no meu quarto, entre meus amigos. Mas as noites se sucedem como uma sequência de cenas absurdas, por mais que sejam as mesmas as muitos anos.
Talvez eu tenha perdido a mim mesma em uma das praças de Belém. As àrvores das praças são muito, muito grandes, e às vezes eu tinha medo que a floresta inteira selevantasse sob meus pés.
Mas a verdade é que Belém tem muito mais a ver com pessoas e sentimento do que com praças e árvores. Se eu tiver me perdido nas pessoas e nos sentimentos é possível me resgatar?
Eu me apaixonei em Belém. Eu me magoei em Belém. Eu vi imagens dissolvendo-se na minha frente. Eu me abriguei sob uma capa de chuva azul e deixei beijos no bolso dela. Eu esperei em Belém. Eu nunca mais voltei de lá.
Numa certa noite, com o coração inquieto, eu peguei um taxi e fui atender aos pedidos de meu peito. Eu ouvi meu coração como não ouvia há muito. Desde então eu só consigo ouvir isso, meu coração, procurando por mim. Procurando respostas. Procurando o caminho de volta pra casa.
É preciso ter cuidado com as cidade onde perdemos a noção da hora. É preciso ter cuidado com cidades onde perdemos a paz.
"Não fosse por você eu não notava essa cidade".